domingo, janeiro 01, 2017

O Anarquismo nosso de cada dia, todos os dias.


Escrever um breve texto sobre Anarquismo é uma tarefa quase inglória, complexa e passível de me colocar em um balaio de gatos muito perigoso, intelectualmente lógico. Como não sou sociólogo nem cientista politico, não vou gastar essas linhas descrevendo todos os ramos, subdivisões históricas e contemporâneas da teoria e prática do Anarquismo. Foi falar sobre mim, assunto que domino.
Hoje conversando com a grande amiga Ana Luísa Flores, discutia-mos sobre o Anarquismo e sua complexidade. Com um número enorme de teóricos, estudiosos e figuras históricas nos  lembramos de nomes como Walter Benjamim( o preferido dela!), Malatesta, Emma Goldman entre outros e seu engajamento filosófico e politico, atuando alguns em lutas armadas e enfrentamentos diretos com o Poder que os levaram as prisões e a morte.
Eu não nutro o desejo de me oferecer em holocausto contra as baionetas do Capitalismo, nem de me isolar monasticamente afastado da vida contemporânea. Então qual a saída para mim? Proletário, casado e com um filho.
O Anarco sindicalismo sempre me pareceu a forma mais organizada e prática de se implantar o Anarquismo, depois de ler Noah Chomsky sobre esse tema, não me restou outra opção a não ser a empolgação de imaginar tais possibilidades em prática, seria lindo! Mas como não participo na sociedade em tal nível, poderia me entrincheirar no meu conforto, entre livros, revistas e tudo o mais e como um Dandi dar um sonoro “Foda-se" e me entregar a auto-complacência do Anarco Individualismo. 
Mas seria isso condizente com as origens afetivas da luta Anarquista?
Não.
As idéias que me atraíram e fisgaram foram a de que nada pode obstruir a liberdade do indivíduo, nenhuma relação de poder é aceita como legítima, nenhuma forma de exploração é tolerada e tudo pode ser construído baseado na cooperação. Sem deuses, nem mestres. Sem fronteiras, sem nações.
E foi sonhando com essa possibilidade, acreditando que outro mundo é possível que eu venho buscando em todos meus momentos e relações a prática diária do Anarquismo de Micropolítica, termo que aprendi com a Ana.
Desacreditando do senso comum, me rebelando contra valores obtusos e hierarquias e buscando o contato direto com o Ser Humano, desprovido de quaisquer preconceitos eu me considero Anarco, pois em toda oportunidade podemos mostrar e viver esse rompimento parcial com o sistema, que angustia por ser tão pouco mas que acredito ser essencial na minha vida.
O desejo ardente de mudar o mundo, de destruir tudo que existe para que possamos reconstruir a sociedade e o amor incondicional pelo Ser Humano é o que pode aliviar algumas dores e remediar algumas injustiças na minha comunidade. No grande esquema das coisas cada gesto é irrelevante, mas para minha experiência neste mundo é 100% de tudo que existe.
Enquanto grandes mentes e corações buscam a Grande Virada, fico na contenção de danos, buscando um caminho legítimo, verdadeiro e criativo, ao meu alcance, uma pessoa comum. 
E meu objetivo é somente dizer que isto está ao alcance de qualquer um que tenha uma visão de mundo que seja incompatível com a injustiça. O que precisamos fazer é nos juntar para apoio mútuo, desenvolver novas idéias e nos divertir também, acalentando em nossos corações o sonho de dançarmos como loucos sobre os escombros do Capitalismo.
Anarquismo é amor ao ser humano.
Anarquismo é ódio ao sistema.
Não há pratica política ou espiritual fora da vida cotidiana.


#OBS: Esse texto seria publicado na Nezmag mas fui excluído por não ser considerado anarquista o suficiente.


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quarta-feira, novembro 11, 2015

Mais um cigarro.

Cada cigarro que acendo tem seu nome escrito.
O que mais me fere não é lembrar, é esquecer.
Dias que não voltam mais.
E o entorno da vida, vai se se consumindo aos poucos.
Deixando um rastro suave, que logo desvanece, rápido demais.
Rápido demais.
Os dias se desfazem,
em cinzas, que sujam e se agarram as minhas roupas e ao me cabelo, como seu cheiro um dia fez.
Mas já o esqueci.
E o que sobra ao fim não vale mais nada.
E se descarta e se atira ao chão, imprestável e inútil, como todo o resto.
Em cada rosto eu busco o seu, e não te encontro, perdida.
Eu busco a sua voz e quase não me lembro mais.
Eu busco os seus olhos e quase não me lembro mais!
Enfim algum descanso, tão fugaz, como todo o resto.

Acendo mais um cigarro.
O coração pesado.
Olho para os meus pés,
e tudo continua.
Quem sabe um dia, quem sabe um dia...























domingo, setembro 06, 2015

Nos arrependemos de 5 pequenas coisas:

1. Não ter beijado aquela boca que merecia ter sido beijada.
2. Do primeiro e do último cigarros.
3. Da quarta tequila(que leva a quinta, sexta, sétima...)
4. De não ter visitado aquele amigo quando estivemos em sua cidade.
5. De deixar aquela noite, a última noite, ter terminado cedo demais.


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sexta-feira, julho 24, 2015

Vento.

    A primeira lembrança significativa de Amélia é muito precoce, não tinha mais do que 5 anos, quando sentiu alguma coisa se movendo dentro dela, foi como um pequeno rebuliço interno, dentro do peito, um suspiro pra dentro, circular. Ela não se lembra do contexto, mas a sensação foi marcante o suficiente para criar um imprint de sua primeira experiência existencial.
   
     Aos 11 anos se apaixonou pela primeira vez, por um garoto da série superior, um garoto que ela só via no recreio, mas ele era bonito e sorridente e isso bastava. Um dia sorrateiramente ela colocou uma cartinha anônima em sua mochila, num papel de carta clarinho, com arabescos numa marca d'água, que ela achava muito sofisticado, nada de ursinhos carinhosos ou cor de rosa. A carta resumia seu encanto infantil e deixava claro que ele deveria deixar sua resposta dentro de um livro da biblioteca, um livro complicado com um título que ela achava o máximo, A insustentável leveza do ser...UAU! 

    Por um bimestre inteiro eles se corresponderam anonimamente, e a expectativa de abrir o livro e achar uma carta a enchiam de alegria e excitação, e a sensação a assaltava de forma prazerosa e quentinha, mas chegou um dia em que não houve resposta e as cartinhas dela foram se acumulando dentro o livro até serem notadas pela bibliotecária mal humorada, um clichê, que de forma cruel as atirou no cesto de lixo, como se fossem apenas papel, e não a representação de um primeiro amor, um tesouro inestimável. Somente com13anos ela pode realmente observar o que acontecia com ela, dentro dela.


    Estava numa daquelas tardes de domingo, chuvosas, úmidas e intermináveis. O tédio a envolvia como uma névoa pegajosa. Como não havia nada para fazer e estava cansada de provocar seu irmão, foi ver televisão e ficou zapeando pelos canais, jogada no sofá, entre almofadas manchadas e conhecidas. Parou num canal qualquer quando viu uma imagem de uma praia. Não era a típica praia brasileira, pois não havia sol, nem pessoas mostrando a bunda. Era um cenário europeu, com uma longa faixa de areia escura, sem ondas e sem ninguém, somente algumas aves voando isoladas, o que aumentava a sensação de solidão. Ficou hipnotizada e sentiu aquela coisa se movendo dentro dela, partindo de algum lugar entre o peito magro e sua barriga branquinha, era alguma coisa antiga e esquecida, e ela reconheceu que era um vento. Ventava dentro dela e quando se deu conta desse fato inusitado chorou com a cabeça enfiada entre as velhas almofadas, chorou por encontrar uma parte dela que estava enfiada lá no fundo de si mesma, viva e independente mas que também era ela, foi um reencontro.

    Tentou sutilmente dividir essa empolgante novidade com seus familiares, mas apesar de seu afeto não foram capazes de entender do que falava aquela menina, que já começava a mostrar um caráter peculiar demais. Com o passar do tempo Amélia reconheceu as circunstâncias em que seu vento interior surgia. Era entre ondas de nostalgia e saudade que alguma coisa se abria e ela ventava, era uma sensação estranha, quase desconfortável mas que era tão familiar e tão intima, que ela chegava a cultivar sentimentos melancólicos para abrir sua janela interior e deixar aquela brisa marinha surgir e tomar conta de seu corpo, as vezes era tão intensa que Amélia fechava seus olhos e se deixava sacudir pelas lufadas que vinham trazendo um cheirinho distante de terra molhada, morangos e hortelã. Momentos de extrema alegria também ventavam, mas tinham um outro caráter, e eram menos comuns, dada a personalidade de Amélia naturalmente introspectiva e intelectual.

    É claro que conforme ia crescendo Amélia se tornou uma pessoa diferente, gostava das coisas normais de meninas, fotografia, música, filmes e garotos, mas gostava também de ficar sozinha, de observar as coisas pequenas acontecendo, alheias a todo o resto, falava pouco pra uma mulher e era viciada em observar os outros, numa espécie de bisbilhotice anônima, era como uma testemunha do tempo, não julgava e nem condenava nenhum comportamento, apenas ficava ali olhando e pensando de quais profundezas surgiam tantas palavras e confusão e conflitos que adivinhava desnecessários. Em algumas épocas, quando seu vento se tornava persistente e frio, com um cheiro pesado de maresia ela se isolava e ficava por horas em seu quintal, olhando os insetos existindo no gramado, ou ficava em seu quarto de adolescente, cheio de pôsteres e fotos nas paredes, ouvindo the smiths e chafurdando em sua melancolia, as vezes chorava um pouco, as vezes dançava sozinha e escrevia cartas imaginárias, cartas de despedida para seus pais e amigos e namorados.


    A faculdade correu rápido com seus comemorativos habituais, bebidas, algumas drogas, muitas festas e homens e seus relacionamentos complicados, não muitos mas sempre intensos, pelo menos para Amélia que vivia tudo de forma verdadeira, até o fundo. O que assustava algumas pessoas. Pois era uma mulher calma, sorridente, com voz quase infantil, uma beleza delicada, mas que vivia sua vida de forma definitiva. Somente seus olhos, ligeiramente estrábicos mostravam sua força e sua intensidade desesperada em viver tudo aquilo que podia ser vivido. Amélia tinha um defeito marcante, ela encarava as pessoas, de forma quase perturbadora. Mas era divertido observar quanto tempo as pessoas toleravam ser encaradas, até desviarem o olhar.

   Em uma noite particular, na noite de seu trigésimo segundo aniversário, sem festa, sem alarde, Amélia estava em seu apartamento, uma garrafa de Chateau Margaux vazia no chão, numa cama grande em que ela dormia só, como de costume, o velho cheiro da maresia foi chegando devagar, entranhado entre os lençóis macios e o edredom fofo. Ela via, num sonho colorido e em HD a velha praia solitária, as ondas faziam um barulho distante e acolhedor, a areia escura estava encharcada e pesada, parecendo asfalto molhado, uma gaivota voava sozinha sob as nuvens baixas e seu grito ecoou pelo vazio, trazendo uma onda de saudades que a invadiram de forma tão intensa que ela se viu ali, sentindo saudades de uma vida não vivida.

    Ela se viu nascendo e crescendo e vivendo em outros tempos, em outros corpos, com outros sexos. As vezes se via sendo mãe e esposa, as vezes ladra e cruel, uma artista bêbada e um calmo relojoeiro, vidas e mais vidas sem nada de especial, sem nenhuma lição em especial, somente vidas de pessoas comuns.

    Com uma única constante além de sua própria consciência, a praia Normanda que era o centro de seu universo indecifrável, tudo fluía e confluía, num enorme emaranhado de relacionamentos circulares, repletos de vida e de morte, um mistério além de qualquer explicação, maravilhoso e único.

    Amélia entendeu que só tinha que viver, era só isso que tinha a fazer, sem mais angústias e sem mais solidão pois ela era a confluência de todas aquelas vidas, era como se ela fosse o centro de um rede que tendia ao infinito, se perdendo na eternidade e no mistério de tudo que existe...tudo era daquele jeito desde sempre, algum laço se desfez e com ele todo o medo se foi, definitivamente. Poderia ser feliz ou triste, solitária ou não, não fazia mais diferença, tudo era impessoal, tudo estava bem, sempre esteve bem, era essa a natureza das coisas.

    Deitada, ela ainda dormia profundamente quando algumas lágrimas fugiram de seus olhos, escorrendo pela face suavemente e seus cabelos se agitavam ao vento que vinha de dentro dela, da praia que era ela, além do espaço e de qualquer tempo, que não significavam mais nada..
...e ninguém viu esse milagre acontecer...além de mim.



terça-feira, abril 13, 2010

The really Real Thing.

A vida tem andado forte demais nesses dias.

A verdade está tão intensa e explícita que é impossível para mim deixar de vê-la em todos os lugares, mesmo entre a rotina e o marasmo.

Às vezes estou ali jogado no sofá, entediado e uma olhadinha pela janela me faz saltar acrobaticamente, UAU! Caras, é impossível se esconder depois que ela te olha nos olhos.

Mesmo com todas as logomarcas, todas as drogas, o sexo e essas merdas intoxicantes, depois que você tem um vislumbre do que é verdadeiro nada mais te basta.

Tenho ficado tão lúcido ultimamente, que penso que estou prestes a enlouquecer e isso é empolgante pois seria demais endoidar de vez e sair por aí pregando a liberdade, amando todo mundo e mandando ver no Dharma.

Estava dia desses falando coisas aleatórias com o Betinho e a verdade ficava ali, dando pequenos pulinhos das nossas bocas, e por mais que ríssemos e inventássemos piadas, ela sempre nos surpreendia, brincando de esconde-esconde entre labirintos Escherianos, metaforicamente falando. E era impossível não falar a verdade. Não essa coisa de “ fui eu quem peidou”, mas a verdade mesmo, aquela coisa profunda e que fomos condicionados a temer, como se a Prisão de Ferro Negra ainda existisse.

Tenho tido tantas coisas pra contar que acabei ficando meio sumido, idéias demais.

Palavras de menos.

E as palavras sempre me decepcionam, pois por mais que eu fale, e eu falo bastante quando tenho vontade, nunca consigo exprimir exatamente aquilo que está aqui na minha cabeça, martelando, tirando meu sono, e as vezes chego tão perto que acabo por me esquecer do que estava falando e fico ali parado com cara de loução e todo mundo ri, e eu rio também é claro, fazer o que?

Mas eu vou contar todas essas coisas bacanas pra vocês, por Deus que vou.

E podem me chamar de louco, paranóico ocultista, santo beberrão, vagabundo iluminado, tanto faz.

Foi só a verdade que eu conheci, e ela me libertou!


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quarta-feira, abril 07, 2010

Corra Forrest Corra!

Ele estava correndo pelas ruas da Tijuca como um louco, pois correr hoje em dia é coisa de criança ou bandido e não gostaria de ser confundido com nenhum dos dois, seu mp3 estava no máximo pra abafar todos os sons externos, só queria se ouvir e ouvir música pulava sobre depressões e buracos naquelas calçadas sofridas, sujas, pulava entre pessoas e quase lhes dava grosseiros esbarrões, era xingado e questionado, pois não estava chovendo e nem havia sirenes de policia então porque aquele cara estava correndo no meio da noite pelas ruas da zona norte, era o que algumas pessoas deviam se perguntar, mas ele não tinha tempo a perder e precisava ter pressa como se sua vida dependesse disso e talvez dependesse mesmo, por isso tinha que correr e a sensação até que era boa, tirando o medo de tudo dar errado, a sensação de querer muito uma coisa e sair como um louco atrás dela era prazerosa e estimulante, sentia suas pernas baterem com força no chão irregular, seu coração batendo forte demais no peito magro, a respiração irregular e o suor escorrendo quente pelas costas empapando sua camisa, mas estava decidido a ir até lá e fazer o que era certo, a hora era aquela e amanhã seria tarde demais, amanhã era uma ilusão e somente nesse momento em que corria embalado pelos seus sonhos impossíveis as coisas eram reais e verdadeiras e pensava em todo o tempo que perdia nos seus dias entre coisas inúteis e supérfluas, em todos os dias em que tinha pressa para acabar não fazendo nada que prestasse e nas buzinas dos carros quando ele atravessava como um raio as ruas com os sinais abertos, entre aqueles malditos carros que eram a causa de tanta poluição, e tanta violência e tanta guerra no mundo que estaria melhor sem tantos carros emporcalhando as cidades e o ar que começava a lhe faltar pelo esforço de correr por tanto tempo, mas a janela logo iria se fechar e esperar até amanhã seria a morte e era muito novo pra morrer de amor, na verdade nem era tão novo, mas como não queria morrer melhor se esforçar enquanto ainda havia tempo, viu a janela do terceiro andar ainda aberta, a luz da sala acesa e seu coração agora era uma britadeira chacoalhando seu corpo, atravessou a última rua de forma quase suicida entre todos e ainda antes de parar partiu seu corpo ao meio com um grito que explodiu seu peito jogando o coração dez metros acima do chão.

LUIZA!

Se apoiou nos próprios joelhos e olhando para o chão que era respingado pelo suor que corria de seu rosto gritou novamente sentindo todos os músculos de seu corpo se retesando até o ponto de sangrar seu nariz.

LUIZAAAAAAA!

Olhando para cima viu a silhueta que se aproximava da janela e sorriu.


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terça-feira, março 30, 2010

Amor Supremo.

O despertador tocou, monotonamente, naquele volume crescente que pretende não te assustar, apenas aborrecer e acordar. Ou vice e versa. A noite foi calma, sem tiroteios, sem gritos, apenas algumas freadas e buzinas e o som da chuva.

É gostoso dormir com chuva, pequenas gotas tilintando na janela, porém é inevitável a antecipação do estresse da manhã seguinte, com engarrafamentos, guarda chuvas agressivos e as canelas ensopadas.

A metrópole tem essa capacidade, até as coisas boas se tornam incômodas, enquanto os incômodos se tornam parte da rotina. Parte da vida.

(“_ Sua vida é uma rotina?”)!

Vestiu-se com seu terno de chuva, escuro e não muito caro, sua capa de chuva importada e a mochila. Deixou o cabelo despenteado mesmo, pois ficaria molhado de qualquer forma. Tomou aquele café cheiroso e negro como asfalto molhado e partiu para o trabalho.

(“_Você devia precisar menos do trabalho para se sentir útil”)!

À porta do prédio, parou. Antecipando o choque com aquela água fria, que acreditava limpa, que caía fininha, suavemente. Ligou seu mp3 player e BUM!

Uma bateria polirritmica, selvagem, dava a sustentação para o sax tenor, furioso, sagrado. Enquanto baixo e piano, pintavam o cenário minimalista das belezas de D’us.

Inconfundível.

Aquele dia começara bem.

Animado pela música celeste que corria por seu corpo, resolveu perder a pressa costumeira e observar o mundo e as pessoas que o enfeitavam no caminho para o trabalho.

(“­_Você devia perder sua pressa, e nunca mais achá-la”)!

O céu estava cinza e limpo. Ás árvores tremiam de prazer, os carros, limpinhos, pareciam arrepiados de frio e mal humorados, até o asfalto molhado brilhava, negro como café cheiroso.

No ônibus, a capa de chuva afugentava as pessoas de seu lado, e desastradamente ele pedia desculpas a todos, com a voz meio alta, constrangido por estar tão feliz indo trabalhar. Ouvindo as palavras de D’us em formato mp3 enhanced, sem palavras. Na verdade ele tinha medo de abrir a boca e sair música ao invés de palavras, mas na verdade mesmo ele ficava decepcionado por saírem palavras, ao invés de música.

(“_Você devia falar menos e cantar mais ”)!

Enquanto a paisagem voava do lado de fora, a música voava do lado de dentro e ele ficava imaginando, de forma quase reverente, a alma daquele homem, que era capaz de se expressar de forma tão complexa, tão lírica. Tão bonita que até assustava, como uma explosão galáctica, uma supernova que espalha vida, luz e compaixão, de forma brutal.

Os rostos das pessoas permaneciam ocupados em si mesmos. Queixosos, apressados, entediados, neutros alguns. Aquela expressão de quem espera, sem estar ali, sem consciência alguma, apenas esperando.

Será que eles não sabiam que estavam salvos?

Será que eles não sabiam mais que eles também seriam iluminados e perfeitos um dia? Que a Prisão de Ferro Negra havia sido destruída e que o espírito e o amor de D’us agora andava entre nós?

(“­_Você tem que se lembrar da promessa, ela é verdadeira”)!

Ele tinha vontade de abraçar a todos e beijar todas as faces. Todos eram bonitos e perfeitos como ele era.

Naquela hora iniciou um solo de bateria, e involuntariamente começou a gesticular, batendo no espaço, vibrando com os dentes apertados. Notou um movimento na rua, no ponto de ônibus onde estavam parados.

Um senhor negro, de barbinha branca sorria, e acenava um tchau com a mão direita, respondendo talvez às suas baquetas invisíveis.

Ele parou e olhou no fundo daqueles olhos idosos e viu que eles sabiam a verdade, assim como ele. Emocionou-se.

O ônibus arrancou e o velho disse com seus lábios mudos:

_Deus é amor!

Ele pode ler em seus lábios finos.

_Sim, sim!

Ele acenou com a cabeça.

_Um Amor Supremo!

...

O velhinho concordou.

Buda Shakyamuni concordou.

Jesus Cristo concordou.

John Coltrane concordou.

E todos se iluminaram.

Ao mesmo tempo...

(“_ Você pode sorrir livremente, a prisão acabou”)!


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