sexta-feira, setembro 19, 2008

Porto de que mar.

- Você está com aquele cheiro de novo.

- Estou?

- Hum-rum... principalmente na nuca... disse ele preguiçosamente enquanto cheirava seus cabelos. Cheiro de mar.

- Maluquice sua, essa coisa de ficar sentindo cheiros, parece um perdigueiro me farejando. E ela deu um pequeno sorriso, carinhoso, tentando disfarçar sua melancolia.

Ela levantou-se lentamente, após arrumar seus cabelos pretos, e nua, foi até o guarda-roupa de onde tirou uma garrafa empoeirada de vinho do porto.

- Quer um pouco? Perguntou ainda de costas.

- Que bunda maravilhosa...o quê?!

- Vinho. Quer um pouco?

- Não, vou ficar só vendo você beber.

Ela se serviu em uma pequena taça de cristal, com uma caravela desenhada, o logotipo de alguma vinícola portuguesa, e foi até a janela por onde entrava uma leve brisa noturna, um pouco fria mas confortável.

Ela sabia que ele a observava da cama naquela luz amarelada, que emprestava um tom meio antigo às coisas, e não conseguia conter em seu peito aquela sensação de desespero.

Um desespero pela vida, pelo mundo e por tudo o que podia estar realizando, se não fosse a própria vida a lhe atrapalhar com suas obrigações, suas escolhas forçadas e papéis e máscaras e dominós que não faziam o menor sentido, eram idiotas e lhe irritavam.

E ficava calada, com seu coração pulando e berrando no peito e ficava calma, com sua vontade de viver tudo, de ser tudo o que ela era, e ela era muito, de verdade.

E a melancolia a arrastava até o consolo de uma pequena taça rubra de vinho do porto no meio de uma noite fresca.

- Quando sinto esse cheiro de mar em você e te vejo assim longe, pensando com essa taça na mão, sinto uma saudade tão grande que me dá vontade de gritar. Penso numa costa nevoenta, fria e com uma montanha lá no meio do mar, sozinha e gigante e quase invisível, igual a você.

- ...

- ...

Sem se virar, uma lágrima cai no vinho e sua superfície se ondula levemente, como as ondas na baía de Cancale.


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quinta-feira, setembro 04, 2008

Tédio e iluminação são a mesma coisa.

Laura era uma menina normal.

Apesar de tudo que ela pensava sobre si mesma, era normal. Havia a baixa auto-estima, a sensação de não ser interessante para ninguém, a solidão. Uma de nós, mais uma de nós.

Só uma coisa a diferenciava, o tédio.

Seu Guru sempre a repreendia por isso, o homem tinha verdadeiras crises, exacerbando a parte lunática de sua filosofia Zen-Lunática, fazendo falar até juntar aquela baba branca e espessa nos cantos da boca.

O tédio era um novo “pecado capital”, caso pecados existissem, era uma afronta as emoções constantes de uma vida verdadeira, era uma cuspida na cara da liberdade de informações, opiniões, sexualidade e de cardápios vegetarianos no Outback.

Mas Laura não podia fazer nada a respeito, a coisa vinha lentamente, calma e quando percebia, ela já se encontrava imersa no mar cinzento do mais profundo tédio.

Tudo mudava nesses momentos, era como se o volume do mundo baixasse, as pessoas falavam e suas vozes diziam nada, as músicas, os filmes, tudo se tornava plano, unidimensional e sem graça. Até os rapazes eternos algozes e salvadores de seus dias, se tornavam opacos e previsíveis, com seu falatório inútil e sua falta de jeito e cuidado. Laura se calava, se isolava e escrevia, toneladas...

E após alguns dias, após se manter em profundo silêncio, as coisas voltavam a ser interessantes, as pessoas misteriosas e sua vida voltava a rotação normal. Laura se tornava infeliz.

Certo dia seu Guru lhe contava sobre quando se perdeu nos Himalaias, entre as maiores plantações de maconha do mundo, vivendo bebendo a água do degelo do Annapurna Sul e comendo folhas de maconha com granola caseira velha, que ele sempre carregava, e de como após os dias, o mundo parou e tudo começou a ser simplesmente como é. Quando foi achado por seus amigos, antes do inverno, estava calmo e sua serenidade mostrou a todos que ele se tornara agora um Guru.

Ouvindo aquela história louca e inverossímil ela reconheceu alguns sentimentos e sensações, mas foi retirada dessas divagações ao perceber que o homem estava tomando todo o seu delicioso e caro frapê de capuccino, enquanto ela viajava, e isso devia ser algum tipo de ensinamento Zen-Lunático, algo como um “foi na roça e perdeu a carroça” espiritual.

Laura ficou curiosa, e iniciou um processo de observação sobre si mesma, e quando tudo começou mais uma vez ela estava lá para ver.

Estava sentada na cozinha tentando arduamente almoçar, enquanto sua mãe falava em sua cabeça, palavras e palavras e palavras desperdiçadas sobre ela e de repente, ao final de um longo suspiro, clássico do tédio, as coisas mudaram. Sua mãe não era mais chata, só estava insegura e com medo da solidão e do envelhecimento, inevitáveis.

Laura se levantou, tocou seu rosto e disse:

- Calma mãe, estou aqui e entendo você. Tá tudo certo.

A mulher se calou, formaram-se lágrimas em seus olhos, mas Laura embora surpresa continuou calma. Deu seu sorrisinho amarelo número três, e saiu pelas ruas.

As coisas estavam lá e elas eram o que eram. Não havia mistério porque tudo simplesmente estava ali, sem sentido, sem confusão, tudo era lindo e completo. Laura teve vontade de chorar, mas se lembrou que seu rímel não era a prova d’água e adiou sua emoção para mais tarde.

Foi até seu Franz Café favorito e lá estava o Guru, como sempre, só que tomava uma garrafa de vinho tinto às três horas da tarde.

Quando a viu, levantou-se e fez uma mesura formal e espalhafatosa.

- Oi locão!

- Olá professora, você finalmente chegou!!!



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