terça-feira, novembro 07, 2006

Qualquer novo começo é um bom começo.

Tudo ia acabar bem.
Cláudia sabia disso desde o princípio, desde sempre.
No momento em que ouviu o tiro e sentiu o sangue espirrando tudo ficou escuro, e dolorido e vazio. E tudo ficou claro.
Se lembrou de tudo, como nos filmes e romances onde a vida passa como num filme, e ficou pasma de se ver neste tipo de situação, achou graça na verdade. Apesar da dor e do medo mais intenso e verdadeiro que sentira na sua vida, começou a rir.
Lembrou-se de seu pai indo embora e da confusão e da culpa que aquele vazio lhe trouxe. Sua mãe tão confusa quanto ela, ao seis anos de idade, e todo o rancor e falta de carinho que sempre fizeram parte de suas relações.
Lembrou-se dos primeiros amores, das bocas lhe mordendo e dos músculos e do suor. O sexo como um oásis, uma redenção de todas aquelas dores, até isso se perder também.
Lembrou-se das drogas e da euforia e da necessidade cada vez mais sufocante por mais, sempre mais. E não sabia mais quem era, perdida entre os homens, sexo pago e suas drogas. Ela havia se tornado isso até aquele dia, uma marionete viciada em speed e cocaína.
Mas sempre houve aquela luzinha no fim do túnel, tudo ia dar certo um dia.
De repente sentiu o peso daquele homem gordo e colante sobre ela, sentiu o gosto de sangue e seus olhos estavam ardendo pela pólvora que turvava tudo a sua volta, mas o cheiro era bom, só o cheiro intenso de sangue que lhe enjoava um pouco, talvez nem tanto pelo sangue mas pela possibilidade de ser seu sangue.
Com esforço tirou aquele peso de suas costas, rolando-o para o lado e viu que ele não tinha mais cara, somente um amontoado de cabelo, carne e sangue. Era curioso que aquilo fosse um ser humano, curioso.
Uma dor aguda surgiu em seu pescoço, um estilhaço de bala devia estar preso ali, e seu supercílio direito sangrava muito, a pancada no chão deixaria uma cicatriz em seu rosto magro.
Ninguém se mexia, umas dez pessoas caídas em posições grotescas empapavam o chão com sangue e um cheiro estranho de morte, o único som que ouvia era o zumbido em seus ouvidos, causado pelo tiro a queima-roupa na nuca do gordão que a havia segurado como um escudo contra os matadores, o que ele não contava era com um terceiro homem as suas costas, bem feito. Que tipo de covarde usa uma mulher como escudo?
Cláudia pegou o dinheiro que não lhe serviria de mais nada e até sentiu pena daquele homem, isso após lhe dar um forte chute nas costelas, covardão.
Saiu andando meio tonta sobre o vidro quebrado, os corpos e do sangue que grudava em seus sapatos com saltos altos demais. Viu sua imagem em um espelho no meio do bar e se admirou com o que viu ali, nunca estivera tão bonita, com um olhar tão claro, talvez em algum lugar da infância aquele olhar tenha existido. Seus cabelos estavam grudados com sangue e pequenos pedaços de coisas que ela não queria saber o que eram, seu rosto estava sujo e machucado e seu vestido um trapo, mas alguma coisa de novo havia ali, uma leveza, um brilho, uma liberdade.
Era o melhor dia da vida de Cláudia, e ela estava feliz.
Tudo estava bem.

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