quarta-feira, setembro 09, 2009

A Festa.

Essa história é um pouco complicada de se contar, pois o tempo/espaço estava de folga, o que me confunde um pouco o pensamento, mas vou tentar de acordo com algumas coisas que me lembro.

A festa era na casa do Rico. São Paulo, décimo nono andar com varandões e janelões e uma longa vista com prédios luminosos, estradas e trens barulhentos e congestionamento aéreo, além do estacionamento de carrinhos de brinquedo.

Era uma celebração algo religiosa, alguma comemoração pagã com muitos símbolos, chaves e mestres, sem dogmas, mas com um conteúdo espiritual que era cantado e discutido por todos desde as primeiras horas daquela manhã de céu vermelho e Sol branco.

Já está amanhecendo!

Alguém disse e de repente todos falavam e sorriam belos e límpidos sorrisos infantis, mesmo nos rostos mais velhos como o meu. Eu sorria e meu gesto voltava até mim em vários rostos diferentes, sinceros, amigos.

Havia vários grupinhos distintos.

Uns se jogavam ao chão, preguiçosos, relembrando suas vidas de gato e cheios de malícia e gatismo se mexiam em câmera lenta, pra depois saltarem acrobaticamente sobre algum desavisado.

Umas meninas falavam perto de uma janela, e aquelas meninas sabiam mesmo falar! Era demais só ficar ali viajando nos assuntos como fractais, se misturando e se apagando circularmente para depois explodirem em gargalhadas deliciosas, contagiantes, de dar dor na barriga.

E o pessoal da varanda, que tinha o parapeito meio inclinado negativamente. Esses ficavam ali tendo visões do futuro, ou do passado, calmos como santos. Minha menina estava ali e veio até mim mesclada com a paisagem, com um leve sorriso, luminoso e enlouquecedor.

Você está se misturando com tudo! Eu disse, surpreso.

Eu sei...Eu continuo assim...E gesticulou mostrando as dez direções enquanto me abraçava.

Cuidado pra não cair, essa varanda me assusta. Eu disse, ainda neurótico.

Cair pra onde? Entre eu e tudo não há espaço vazio, eu sou tudo. Não se pode cair de uma montanha, lembra? E eu dei um longo grito montanhês e todos gritaram e aplaudiram ou foi só o eco, mas foi lindo!

De repente o céu estava vermelho e alguém disse:

Já está amanhecendo!

Alguma coisa estalava no ar, se esgueirava e nos tocava, quando entrei vi que Rico, o Guru DJ, estava lá sobre suas pickups e a magia que ele fazia corria por toda a cena, instigando e vibrando. Tudo se movia.

Frações de sons minimalistas, vibrações graves e estalidos mecânicos se misturavam às vozes e movimentos rítmicos, a helicópteros e trens e buzinas e

MOTOCAS!!!

E de repente eu estava tocando uma tabla, tão rápido que nem via meus dedos e meu amigo Jafinho estava contando sobre um show de jazz que ele vira e suas palavras eram pura poesia Beat, disparando metralhadoramente sobre nós que gritávamos: Vai, vai! Uhuu! Manda ver irmão! E ele subia nos sofás e atacava-nos com mais palavras e as meninas gritavam e os caras batiam palmas e eu esmurrava aquele cajon com vontade.

Sierra, jogada num canto com seus cabelos de heroína mexicana ficava repetindo, “Eu já sabia, eu já sabia”. E era verdade mesmo, ela sempre soube de tudo.

Mais ou menos nessa hora as coisas ficaram meio confusas, eu fui à cozinha e me perdi e acabei encontrando minha menina lá, solitária, bebendo água como uma deusa e quando fui beber também quase cai dentro da fonte de vidro que era bem maior quando você olhava de perto, me molhei todo rapaz!

Quando voltamos pra sala, abraçados e felizes as coisas estavam mais quietas. Rico estava lá sentado em suas almofadas, fumando o nargile e dando mais uma aula pros meninos, atentos e sublimes, de olhos arregalados. Ele me olhou e deu uma piscadela, acho que com um dos olhos ou sem os olhos, e involuntariamente dei um grito.

UAU!

Dipankara se iluminou assim, ou teria sido Jack Kerouac? Silenciosamente.

Pela janela o céu estava vermelho e alguém disse:

Já está amanhecendo.

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