sexta-feira, abril 23, 2004

Minhas cinco maiores decepções:

1. Quando soube que fui traído.
2. Quando meu pai se tornou um ser humano comum.
3. Quando fiz minha mãe chorar.
4. Quando descobri que meus "amigos" eram todos interesseiros.
5. Quando soube que fui traído de novo.(isso não tem a menor graça)
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sábado, abril 17, 2004

A idade da loba.

Beatriz fazia quarenta anos naquela noite.
O céu estava lindo, com suas estrelas brilhantes, perdidas naquele azul profundo e negro, não havia Lua e o mar, muito próximo e calmo, era um espelho refletindo o infinito.
Seu marido já dormia, assim como seu casal de filhos, e ela tinha agora um tempo para pensar e fumar seus cigarros sem que ninguém reclamasse do cheiro enjoativo de canela e chocolate. Era um prazer infantil fumar, seu único vício agora que estava longe da bebida, o pequeno bastão em chamas e aquela linda fumaça serpenteando e se dissolvendo no espaço, azulada e perfumada, lhe fazia companhia e alegrava seu espírito.
Passou uma boa noite e esteve realmente feliz, mas o telefonema de seu irmão mais novo a colocara neste estado nostálgico e melancólico. Já havia dez anos que ela não o via, ele fazia parte da trupe do “Cirque du Soleil” e vivia viajando o mundo, era algum tipo de cigano e artista já que não possuía nem casa e nem carro e nem nada, é verdade que não tinha nem carteira de motorista e seu português adquirira um sotaque estranho, sem pátria, assim como seu francês e seu inglês. Tinha um pouco de inveja dele, mas não herdara seu sangue cigano e seu espírito sem destino, pois tinham pais diferentes e seu lado da família era formado por professores e bancários, todos infelizes e satisfeitos.
Era sempre bom poder falar com ele, mas a saudade sempre trazia algo de amargo, era bom ouvir sua voz, mas era ruim voltar a sentir a distância que os separava, já há anos.
Beatriz sempre preferiu as pessoas à distância, desde muito jovem aprendeu a ficar calada e se manter longe da rudeza humana. Os livros e o estudo sistemático sempre foram seus refúgios contra as pessoas, por isso escolheu uma carreira que a mantivesse longe de todos, mas não deu certo, pois embora fosse boa, muito boa mesmo, o que lhe dava prazer era escrever, e acabou por ficar famosa e também ganhar dinheiro, com a publicação de sua série de romances sobre as peças de um tabuleiro de xadrez e agora com adaptações dos poemas de Baudelaire para crianças. Por mais que negasse e se escondesse tinha talento, e também isso era doce e amargo. Diziam que ela era mal educada e arrogante, mas ela sabia o mostro que estava mantendo longe de sua casa.
Também pensava em sua mãe, imutável e perdida, seu pai, o homem mais calmo e minucioso do mundo (devia ter sido relojoeiro) e em todos aqueles que a fizeram fraca e submissa. Estavam todos errados, o mundo estava todo errado.
As únicas coisas certas eram a vida, o mar, sempre batendo em frente de sua casa e os sons que faziam aquelas pessoas que dormiam as suas costas, aqueles que ela amava e seus sonhos impossíveis.
Quarenta anos era uma boa idade para estar viva e ser feliz, e o destino que se fodesse.
Mais um cigarro e iria dormir.
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sexta-feira, abril 09, 2004

Eu odeio Setembro.

Eu fiquei parado ali na chuva vendo-a partir, ela andando sobre seus saltos com seu andar pesado e duro e eu com aquele sorriso idiota paralisado em meu rosto, sob a chuva fina naquela noite de Setembro, meus dentes batendo, meu corpo tremendo e meu coração mudo. Abandonado novamente.
Acho que foi a quarta vez ou talvez a quinta, mas foi a última, definitivamente. Pois nada pior que ouvir pela quarta ou quinta vez que você não é querido, um “deja vù” muito ruim, algo como um pesadelo em “looping” na sua cabeça.
É interessante como sentimos que o que é bom, quando termina é para sempre, mas o que é ruim tem uma infinita possibilidade de piorar e de se repetir, para sempre. Pois se parece ridículo ser largado pela quarta ou quinta vez, pela mesma mulher, imaginem ela te ligando pela sexta vez dizendo que te ama...Tua boca suturada, o maxilar doendo e a mulher pedindo perdão, é acordar dentro de um pesadelo acordando de um pesadelo.
Somos todos humanos, somos todos falhos e nossos erros geralmente se repetem por toda a vida, atrelada na nossa roda de culpa e autopiedade, mas alguma coisa tem que mudar, “something must give”, pois eu quero ter pelo menos uma chance de sobreviver ao meu destino, pelo menos uma esperança de uma chance.
Meus relacionamentos continuam imitando uma peça de Nelson Rodrigues, continuo vivendo entre a esquizofrenia e a realidade, continuo sem saber porra nenhuma de mim, mas vou continuar e sem aquela mulher de gênio imprestável e lindos olhos verdes, que me deixou com os lábios sangrando em uma noite de chuva.
Pela última vez.
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segunda-feira, abril 05, 2004

Um cheiro familiar.

Eu me lembro de Kurt Cobain.
Ouvir “Smells like teen spirit” pela primeira vez foi algo inesquecível, eu já conhecia a banda pelo seu primeiro disco, mas aquela música, com uma letra ininteligível, tinha alguma coisa de uma melancolia furiosa que não dava pra ignorar, direto no estômago e na segunda vez você já estava cantando junto. Aos berros e pulando.
Eu me lembro do Kurt Cobain como uma pessoa frágil, um garoto meio bobão, mas com muito talento e irresponsável o suficiente para ousar ser algo de novo e puro neste nosso mundinho do “pague agora e se foda para sempre”que a gente sustenta.
Eu me lembro do dia que anunciaram sua morte no Jornal Nacional e eu estava do lado do meu pai na sala de tv e não acreditei, acho que até chorei um pouco, mas eu não podia crer que o cara tinha se matado, e aquela vaca da mulher dele chorando na tv, para mim foi algo como um assassinato, uma execução.
Mas eu também senti um orgulho meio louco, pois o cara embora tenha deixado uma filha, simplesmente pediu licença, e disse “Hei, esse porra está toda errada! Não quero isso pra mim não... BANG!!!”, isso é muita coragem, muito desespero e muita tristeza. Algo que eu não suportaria por muito tempo.
E quando fiz vinte e sete anos, não pude deixar de pensar nele e de como eu me senti jovem e o cara já estava morto, eu todo enrolado com minha vida e o Kurt Cobain morto, e tudo que ele poderia realizar e ser, uma vida que ele poderia ter mudado e reconstruído não existiu, talvez ele nunca tenha sabido que havia outra maneira, tem que haver outra maneira.
Eu me lembro do Kurt Cobain e tenho saudades do bastardo.
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