segunda-feira, agosto 24, 2009

Os chineses e a Música.

Aquelas eram tardes e loucas e calourentas, Peter havia se mudado de apartamento após o escândalo com as gêmeas da zona sul e ainda estava todo enrolado entre caixas de papelão, móveis danificados e seu papagaio que estranhava o novo endereço.

Seu trompete estava perdido, não que ele não soubesse onde ele estava, mas havia sido parcialmente destruído na briga com as meninas, tantos foram os golpes desferidos contra ele por uma e depois pela mais nova, ainda mais forte e raivosa que a primeira das irmãs traídas.

Chegava já a noite de quinta e ele teria que conseguir um trompete novo de qualquer forma, pois tinha um compromisso com Erik e a banda e se ele furasse acabaria tomando uma surra do Tony, só que ele certamente bateria mais forte que as meninas, e aquela sua camiseta xadrez indefectível ficaria manchada de sangue. Com aquele seu estilo redneck sulista de araque era bem capaz do canalha ter um soco inglês naquela fivela de cinto com o símbolo dos confederados.

Andava pelo centro da cidade freneticamente perdido entre as ruas suadas e seu desejo ardente de descolar um novo instrumento, mesmo que fosse velho, na exata proporção em que queria evitar ao máximo ter suas costelas quebradas pelas botas sujas de um desordeiro carioca embriagado, e ainda descolaria uma grana, coisa que lhe faria muito bem.

Acendia um cigarro atrás do outro e andava de loja em loja em loja procurando uma pechincha, até que na mão de um chinês, ou coreano, de dentes sujos viu um doce e gasto trompetezinho amarelo e cobre. Seus pistões estavam frouxos, e estava descascado e judiado, pois aquele oriental embora herdasse certamente todas as sabedorias e segredos do oriente e da panela wok, não fazia a menor idéia da mágica que aquela belezinha desgastada poderia produzir em suas mãos. Uma coisa o “china” sabia, o desgraçado, negociar.

A loja era um caos completo, com um milhão de bagulhos empilhados e acumulando poeira. Espadas vagabundas, lanternas de papel, imagens de algum tipo de orixás chineses, budas gordões, tudo uma zona. E o trompetezinho velho ali, esperando por uma recauchutada e um bom bop soprado com força pra ganhar vida novamente.

Quanto custa?

Sim, hihihi...Sim.

Respondeu o velho chinês. Tinha uns óculos tão velhos e sujos e riscados que Peter duvidava que ele via algo na sua frente além de dinheiro.

Quanto custa o trompete? Disse mais alto apontando para o instrumento. Quanto?

E é engraçado como as pessoas gritam para estrangeiros, como se eles fossem entender a língua desde que lhes estourem os tímpanos.

Ah, tlompete? Muito bom tlompete, muito antigo, sim...

Qual o preço dele, por favor? Disse Peter, a beira do desespero, como se ele tivesse dinheiro de verdade, além de uns trocados no bolso.

Ah, o moço esta muito desespelado, né? Gosta muito de tlompete? Gosta muito?

Não estou desespeRado não, só quero saber quanto dinheiro você quer nele...Pelo amor de deus, estou com pressa senhor honorável comedor de arroz...

Ah, blincalhão, né?

...

Está a venda não.

???

Lo Pei não plecisa de dinheilo, Lo Pei tem muito dinheilo já.

Quem é Lo Pei? O dono do trompete? Fala pra ele que eu tenho grana, só me diz o preço porra!

Lo Pei sou eu, moço Peter desespelado, e eu sou o dono do tomplete sim, ele é meu sim e não quelo dinheilo não, dinheilo eu tenho, mas podemos tlocar por outla coisinha. E o “china” deu uma risadinha sinistra, quem fez os pelos das pernas de Peter se arrepiarem da forma mais incomoda.

Mas eu não tenho nada pra trocar...Você sabe meu nome. Porra é essa?

Tem sim, tem sim. Todo mundo tem alguma coisa pla tlocar com velho Lo Pei.

Mas eu só tenho esse relógio sem o ponteiro dos segundos, e nem é novo...

Não! Gritou o chinês e Peter deu um pulo de verdade.

Não, disse com o sorriso macabro. Você já teve algum bichinho quando ela cliança? gatinho, cacholinho?

Tive sim, alguns. Cachorros, por que?

Lembla de algum que gostava muito, que moleu?

que morreu?

sim, sim, moleu.

Tive sim...e de repente Peter se lembrou com toda a força de seu cachorro Bosley, que foi envenenado por um vizinho mau caráter quando ele tinha nove anos, e de como ele ficou triste e de como ele chorou ao enterrá-lo, chorou tanto que os outros meninos da rua ficaram alguns meses o lembrando disso. E aquele sentimento se tornou tão real e presente que Peter chegou a derramar algumas lágrimas pensando em seu cãozinho sozinho lá, enterrado naquele terreno baldio feio, coitadinho do Bosley...

Moço!

O china gritou cutucando Peter no peito, com alguma coisa metálica.

Que foi agora caralho? Peter tinha a voz embargada e o rosto molhado pelo seu choro nostálgico.

Toma, é seu. Pode levar o tlompete Peter, pode tocar seu jazz, toca bastante lápido. Toma, toma.

E ele praticamente empurrou o instrumento na cara de Peter que não estava entendendo lá muita coisa.

Mas você não queria trocar? Eu não te dei nada...

Deu sim, deu coisa boa pla Lo Pei, tão boa quanto tlompete velho tocador de jazz, agola vai embola, vai, vai embola!

E Peter não sabia do que ele estava falando, velho gagá, de qualquer forma pegou seu instrumento e saiu dali meio atônito. E grande foi sua surpresa quando chegou na rua e viu que já havia anoitecido. Seu relógio o informou que estava quase atrasado e xingando velhos palavrões saiu voando para pegar um táxi até a porta do bar, em Copacabana.

Tony estava lá na porta sorrindo como um pitbull sorri olhando pra carne crua e ele entrou rápido com um meio sorriso e no backstage deu uma geral no velho trompete que até estava inteirão.

Tomou um trago e um de seus comparsas da noite, Charuto, o baixista ficou curioso.

Trompete novo magrelo? As minas ficaram com peninha do cafetão?

Ha, que nada meu velho, acabei de trocar esse aqui com um “china” louco lá na Uruguaiana?

China da Uruguaiana?Trocou pelo que? Sua coleção de cuecas usadas, ou seu papagaio?

Se fuder maluco! Troquei lá por alguma coisa...Sei lá, foi meio estranho, o “china” me fez umas perguntas, mas nem me lembro o que foi, estranho...Deu um gole do Jack.

Só sei que tô com essa belezinha aqui na mão e depois da session, vou estar com aquela morena lá da mesa dois nos braços, quer apostar?

Mas tu é muito filho da puta mesmo, aquele mina é do Espeto.

Azar o dele então, hehehehe...

E Peter foi e tocou forte e rápido e roubou a garota e se sentia bem, como se alguma coisa triste tivesse sumido de seu coração, alguma parte dele que não lhe pertencia mais.


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