quarta-feira, novembro 11, 2015

Mais um cigarro.

Cada cigarro que acendo tem seu nome escrito.
O que mais me fere não é lembrar, é esquecer.
Dias que não voltam mais.
E o entorno da vida, vai se se consumindo aos poucos.
Deixando um rastro suave, que logo desvanece, rápido demais.
Rápido demais.
Os dias se desfazem,
em cinzas, que sujam e se agarram as minhas roupas e ao me cabelo, como seu cheiro um dia fez.
Mas já o esqueci.
E o que sobra ao fim não vale mais nada.
E se descarta e se atira ao chão, imprestável e inútil, como todo o resto.
Em cada rosto eu busco o seu, e não te encontro, perdida.
Eu busco a sua voz e quase não me lembro mais.
Eu busco os seus olhos e quase não me lembro mais!
Enfim algum descanso, tão fugaz, como todo o resto.

Acendo mais um cigarro.
O coração pesado.
Olho para os meus pés,
e tudo continua.
Quem sabe um dia, quem sabe um dia...























domingo, setembro 06, 2015

Nos arrependemos de 5 pequenas coisas:

1. Não ter beijado aquela boca que merecia ter sido beijada.
2. Do primeiro e do último cigarros.
3. Da quarta tequila(que leva a quinta, sexta, sétima...)
4. De não ter visitado aquele amigo quando estivemos em sua cidade.
5. De deixar aquela noite, a última noite, ter terminado cedo demais.


me mande um e-mail.

sexta-feira, julho 24, 2015

Vento.

    A primeira lembrança significativa de Amélia é muito precoce, não tinha mais do que 5 anos, quando sentiu alguma coisa se movendo dentro dela, foi como um pequeno rebuliço interno, dentro do peito, um suspiro pra dentro, circular. Ela não se lembra do contexto, mas a sensação foi marcante o suficiente para criar um imprint de sua primeira experiência existencial.
   
     Aos 11 anos se apaixonou pela primeira vez, por um garoto da série superior, um garoto que ela só via no recreio, mas ele era bonito e sorridente e isso bastava. Um dia sorrateiramente ela colocou uma cartinha anônima em sua mochila, num papel de carta clarinho, com arabescos numa marca d'água, que ela achava muito sofisticado, nada de ursinhos carinhosos ou cor de rosa. A carta resumia seu encanto infantil e deixava claro que ele deveria deixar sua resposta dentro de um livro da biblioteca, um livro complicado com um título que ela achava o máximo, A insustentável leveza do ser...UAU! 

    Por um bimestre inteiro eles se corresponderam anonimamente, e a expectativa de abrir o livro e achar uma carta a enchiam de alegria e excitação, e a sensação a assaltava de forma prazerosa e quentinha, mas chegou um dia em que não houve resposta e as cartinhas dela foram se acumulando dentro o livro até serem notadas pela bibliotecária mal humorada, um clichê, que de forma cruel as atirou no cesto de lixo, como se fossem apenas papel, e não a representação de um primeiro amor, um tesouro inestimável. Somente com13anos ela pode realmente observar o que acontecia com ela, dentro dela.


    Estava numa daquelas tardes de domingo, chuvosas, úmidas e intermináveis. O tédio a envolvia como uma névoa pegajosa. Como não havia nada para fazer e estava cansada de provocar seu irmão, foi ver televisão e ficou zapeando pelos canais, jogada no sofá, entre almofadas manchadas e conhecidas. Parou num canal qualquer quando viu uma imagem de uma praia. Não era a típica praia brasileira, pois não havia sol, nem pessoas mostrando a bunda. Era um cenário europeu, com uma longa faixa de areia escura, sem ondas e sem ninguém, somente algumas aves voando isoladas, o que aumentava a sensação de solidão. Ficou hipnotizada e sentiu aquela coisa se movendo dentro dela, partindo de algum lugar entre o peito magro e sua barriga branquinha, era alguma coisa antiga e esquecida, e ela reconheceu que era um vento. Ventava dentro dela e quando se deu conta desse fato inusitado chorou com a cabeça enfiada entre as velhas almofadas, chorou por encontrar uma parte dela que estava enfiada lá no fundo de si mesma, viva e independente mas que também era ela, foi um reencontro.

    Tentou sutilmente dividir essa empolgante novidade com seus familiares, mas apesar de seu afeto não foram capazes de entender do que falava aquela menina, que já começava a mostrar um caráter peculiar demais. Com o passar do tempo Amélia reconheceu as circunstâncias em que seu vento interior surgia. Era entre ondas de nostalgia e saudade que alguma coisa se abria e ela ventava, era uma sensação estranha, quase desconfortável mas que era tão familiar e tão intima, que ela chegava a cultivar sentimentos melancólicos para abrir sua janela interior e deixar aquela brisa marinha surgir e tomar conta de seu corpo, as vezes era tão intensa que Amélia fechava seus olhos e se deixava sacudir pelas lufadas que vinham trazendo um cheirinho distante de terra molhada, morangos e hortelã. Momentos de extrema alegria também ventavam, mas tinham um outro caráter, e eram menos comuns, dada a personalidade de Amélia naturalmente introspectiva e intelectual.

    É claro que conforme ia crescendo Amélia se tornou uma pessoa diferente, gostava das coisas normais de meninas, fotografia, música, filmes e garotos, mas gostava também de ficar sozinha, de observar as coisas pequenas acontecendo, alheias a todo o resto, falava pouco pra uma mulher e era viciada em observar os outros, numa espécie de bisbilhotice anônima, era como uma testemunha do tempo, não julgava e nem condenava nenhum comportamento, apenas ficava ali olhando e pensando de quais profundezas surgiam tantas palavras e confusão e conflitos que adivinhava desnecessários. Em algumas épocas, quando seu vento se tornava persistente e frio, com um cheiro pesado de maresia ela se isolava e ficava por horas em seu quintal, olhando os insetos existindo no gramado, ou ficava em seu quarto de adolescente, cheio de pôsteres e fotos nas paredes, ouvindo the smiths e chafurdando em sua melancolia, as vezes chorava um pouco, as vezes dançava sozinha e escrevia cartas imaginárias, cartas de despedida para seus pais e amigos e namorados.


    A faculdade correu rápido com seus comemorativos habituais, bebidas, algumas drogas, muitas festas e homens e seus relacionamentos complicados, não muitos mas sempre intensos, pelo menos para Amélia que vivia tudo de forma verdadeira, até o fundo. O que assustava algumas pessoas. Pois era uma mulher calma, sorridente, com voz quase infantil, uma beleza delicada, mas que vivia sua vida de forma definitiva. Somente seus olhos, ligeiramente estrábicos mostravam sua força e sua intensidade desesperada em viver tudo aquilo que podia ser vivido. Amélia tinha um defeito marcante, ela encarava as pessoas, de forma quase perturbadora. Mas era divertido observar quanto tempo as pessoas toleravam ser encaradas, até desviarem o olhar.

   Em uma noite particular, na noite de seu trigésimo segundo aniversário, sem festa, sem alarde, Amélia estava em seu apartamento, uma garrafa de Chateau Margaux vazia no chão, numa cama grande em que ela dormia só, como de costume, o velho cheiro da maresia foi chegando devagar, entranhado entre os lençóis macios e o edredom fofo. Ela via, num sonho colorido e em HD a velha praia solitária, as ondas faziam um barulho distante e acolhedor, a areia escura estava encharcada e pesada, parecendo asfalto molhado, uma gaivota voava sozinha sob as nuvens baixas e seu grito ecoou pelo vazio, trazendo uma onda de saudades que a invadiram de forma tão intensa que ela se viu ali, sentindo saudades de uma vida não vivida.

    Ela se viu nascendo e crescendo e vivendo em outros tempos, em outros corpos, com outros sexos. As vezes se via sendo mãe e esposa, as vezes ladra e cruel, uma artista bêbada e um calmo relojoeiro, vidas e mais vidas sem nada de especial, sem nenhuma lição em especial, somente vidas de pessoas comuns.

    Com uma única constante além de sua própria consciência, a praia Normanda que era o centro de seu universo indecifrável, tudo fluía e confluía, num enorme emaranhado de relacionamentos circulares, repletos de vida e de morte, um mistério além de qualquer explicação, maravilhoso e único.

    Amélia entendeu que só tinha que viver, era só isso que tinha a fazer, sem mais angústias e sem mais solidão pois ela era a confluência de todas aquelas vidas, era como se ela fosse o centro de um rede que tendia ao infinito, se perdendo na eternidade e no mistério de tudo que existe...tudo era daquele jeito desde sempre, algum laço se desfez e com ele todo o medo se foi, definitivamente. Poderia ser feliz ou triste, solitária ou não, não fazia mais diferença, tudo era impessoal, tudo estava bem, sempre esteve bem, era essa a natureza das coisas.

    Deitada, ela ainda dormia profundamente quando algumas lágrimas fugiram de seus olhos, escorrendo pela face suavemente e seus cabelos se agitavam ao vento que vinha de dentro dela, da praia que era ela, além do espaço e de qualquer tempo, que não significavam mais nada..
...e ninguém viu esse milagre acontecer...além de mim.