terça-feira, julho 15, 2008

vazio. repleto de coisa alguma.

Agora era só o vazio, repleto de coisa alguma.
Novamente, seu velho conhecido retornara.
Talvez nunca a deixasse.
E se jamais a abandonasse?
O que faria? Continuaria, simplesmente existindo, dilacerada por dentro.
Ou esperaria a dilaceração secar-se e transformar-se em uma pedra. Porque isso inexoravelmente acontece.
Uma pedra em seu peito, bem, o que é uma pedra senão um vazio? Retornamos novamente ao tão familiar vazio. A vida tem disso mesmo, quando acreditamos que está se transformando, dá uma volta e retorna ao mesmo lugar de onde partimos. Aí surge a questão: então por que não ficamos sempre parados, já que sempre voltamos ao mesmo lugar? Não daria no mesmo? Não, não daria. Retornamos sim para o mesmo lugar, mas não somos os mesmos ao retornar. E essa é a questão e não vem ao caso agora. Retornemos ao vazio e às voltas.
Mas será que a vida fica assim, repetindo-se monótona e eternamente? Sim, não é justo. Mas o que é justo? Diga-me, por favor.

Justiça não existe nesse mundo. Pelo menos não no dela. Inclusive ela só a conhece de nome, de ler seu significado no minidicionário Aurélio – fora um dever de casa da época do colégio. Talvez ele esteja errado. Não o mundo, o dicionário. Ou serão os dois? Ah, mas certamente o mundo está errado, isso é óbvio demais. Já bem dizia um finado amigo: “só sei que o mundo não é minha casa”, chegara a essa conclusão ao ser indagado se o mundo seria a casa do amor ou do ódio. Fora brilhante com tal resposta, pondo fim a uma questão que já durava alguns anos e incontáveis noites sem dormir.
Mas voltando ao vazio, se o mesmo está repleto de coisa alguma, pode ser considerado vazio? Desejava todos os dias que seu coração estivesse repleto de coisa alguma. Mentira.
E se nada jamais desse certo? E se o significado fosse exatamente a ausência de significado? Tudo
em vão. Sempre.
Seria uma profissional brilhante, era inevitável. Ela tinha o dom, sabem. Digamos que sua profissão era o único amor de sua vida que daria certo. E quanto a isso não havia dúvidas, o vazio nem se interessava. No fundo sabia que não teria vez. Mas de que adianta tudo isso, se não há com quem compartilhar? Vitória do vazio então?
Mas quanto ao seu coração... Ah!! Esse era um prato feito.
Era com gosto que a desiludia vez atrás outra. E se não era ela quem se desencantava de seu amor, era seu amor que se desencantava dela e sem encanto, coisa alguma resta. E isso não parava nunca. Quando acreditava que realmente seria, já não mais era.

Da varanda de sua casa, que, aliás, era a melhor parte do imóvel, a varanda, via-se o Cristo e o Pão de Açúcar. Debruçava-se e ficava olhando a formidável vista, tentando se convencer de que a vida é bela e de que realmente vale a pena, enquanto fumava um cigarro (pardone-moi mon amie). É, começara a fumar, graças a ele. Atrás do primeiro maço que comprara lia-se: “fumar causa abortamento espontâneo”. Foda-se, pensou, não estou grávida mesmo. Isso se algum dia for capaz de engravidar, pois às vezes duvidava se de suas entranhas poderia sair algo bom. Mentira.

É possível que fosse uma das pessoas mais sensíveis do mundo. Uma vez, ela se descrevera resumidamente como boazinha-sentimental. Acredito que não poderia ter se resumido melhor. Foi respondendo a uma pergunta dele: “e como são os cancerianos?”. Às vezes desejava ter ficado calada, ou respondido: “escrotos e cruéis”, mas não conseguiria. Era verdadeira demais pra fazer isso, mesmo sabendo que o mundo não merecia. A bondade estava encravada em seu âmago, por mais que às vezes a odiasse, era parte dela. Ou melhor, era ela.
E o pior foi a resposta dele: “ah, os escorpianos também, só que disfarçam”. Mentira deslavada. Ninguém disfarça o que não é. Não é possível esconder o que não se tem. Na verdade, esconde-se a inexistência. A falta, a ausência.
Ah, a ausência... Ela também já havia se acostumado à ausência de tanta coisa! Era melhor ficarem lá, caladas, remoer era doloroso demais e talvez ela não fosse tão forte assim. Talvez não fosse tão forte como sempre precisava ser. Talvez no fundo, lá no fundo mesmo, quisesse se entregar. Mentira. Só estava cansada mesmo. Cansada de sempre ser a única a lutar, e sempre sozinha seguia.
Ah, mas você reclama demais menina! Diziam. Você é uma menina linda e inteligente, tem uma carreira profissional invejável, o homem que não desejar uma mulher como você só pode ser louco. Bem, talvez todos sejam loucos então. Ou talvez a louca seja ela, o mais provável.

Era bem verdade que interessados não faltavam. Mas nenhum interessava. Encontrava-se em um período refratário absoluto. Eterno.
Todos vazios e superficiais. Encantados com sua cultura e sua beleza. E ela os ficava olhando e mais uma vez constatava que nada tinham que a atraia – talvez por não terem nada mesmo – além de prazer imediato, nada tinham a oferecer-lhe.

Uma vez apareceu um, por quem ela se apaixonara. Na verdade ela o amara de todo o coração. Mas ele amava uma idealização perfeita dela, e não ela. E não o real. Ele desejava o impossível, um sonho, uma idealização, a perfeição, sua salvação, enquanto ela desejava o real, o imperfeito, o humano, o que existia de verdade, ele simplesmente, com todos os seus defeitos incluídos no pacote.
Ele seguia então, eternamente insatisfeito e, por conseguinte, eternamente infeliz. Estufando o peito para dizer que o buraco negro estava ali como sempre esteve, que esse era seu destino, que sua vida jamais fora justa. Orgulhando-se de nunca cair, por mais que apanhasse e jamais parava de apanhar.
Essa era a diferença entre eles. Ela apanhava, caía, era destruída, renascia mais forte, destruía a agressão e seguia em frente, sempre. Sem mais apanhar. Não suportava o fatalismo que exalava de todos os poros dele. E ele não percebia, não conseguia ver que poderia fazer diferente, que o importante não era levantar a guarda para melhor agüentar o golpe, era golpear antes de levar o golpe, era atacar, mas para isso era preciso coragem e às vezes de muita. E entre ter tudo e o nada ter, apenas dele dependia.
Agora, ele não mais estava sozinho, ela estava a seu lado, segurando sua mão, mas ele não era capaz de vê-la. E ela não poderia lhe mostrar o que já estava em sua frente, ele teria que ver sozinho. Mas seus olhos estavam cegos. E ela não tinha forças para carregar um cego...
Por mais que isso a corroesse por dentro, ela não tinha forças; por mais que odiasse a inércia dele, ela não tinha forças; por mais que se indignasse com sua fraqueza, ela não tinha forças; por mais forte que pudesse ser, sua força nunca seria suficiente para levantá-lo sozinha. O máximo que poderia fazer era ajudá-lo a se levantar – e como ela queria ajudá-lo – mas ele queria continuar apanhando no fundo do abismo negro, sozinho, maldizendo a vida sem sentido que criara para si mesmo e se alimentando de suas desgraças.
E de que adianta tanta insatisfação se ela não o move, se não o desprende do chão, se não destrói esse maldito automatismo, se não é capaz de dar-lhe asas? Ela, no entanto, tinha umas asinhas, meio tortas, é bem verdade, mas que cresciam a cada dia e eram seu orgulho. Mas não era capaz de curar feridas de outro, por mais que o amasse. Não era egoísmo, mas cada um precisa de sua asa, não são emprestáveis, nem alugáveis, nem penhoráveis, nem vendíveis, nem transferíveis, nem qualquer coisa do gênero.

E a fumaça fedida invadia seus pulmões enquanto olhava para o Cristo. Redentor. E pensava em sua redenção imperfeita. Um dia, quem sabe, escreveria coisas felizes.




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quinta-feira, julho 03, 2008

Genealogia da mudança.

Nos próximos dias vamos nos mudar de novo, já mudamos na verdade.

Isso mesmo, não é um flash back, nem notícia requentada, é uma novidade, legítima!

E essas mudanças de domicílio, constantes e sempre tão cansativas me remetem a mudanças metafísicas, constantes e cansativas mas que pelo menos entre um estofamento rasgado e alguns copos quebrados criam uma expectativa positiva e curiosa: “o que será que vai acontecer agora?”

Digamos que tudo deu errado.

A casa não ficou pronta.

A obra ficou mais cara do que o imaginado, sempre fica, agora eu sei.

E a convivência com os vizinhos, de todas as esferas existenciais, provocaram em um mês um grau tal de estresse e desconforto que entre uns chopps e um arroz de pato nos decidimos “- vamos embora!”.

E aí surge aquela sensação que meus antepassados deviam conhecer bem entre “pogrons” e outras perseguições, vamos embora sim, mas e depois?

E o coração salta e dá arrancos no peito, as mãos ficam suadas e a boca seca, pois eu não sei como será, mas estamos juntos, então tudo está certo, mesmo que dê errado de novo.

Certo e bom, pois esse “mudar”, essa divina inquietação, essa insatisfação benevolente, é que nos impulsiona e torna o exílio em lar. Que faz a insegurança e a instabilidade serem os pesos que nos mantém equilibrados, porém sempre em movimento nesta dança cósmica sobre a corda bamba. Se parar cai meu irmão.

Meus avós fugiram da Rússia bolchevique para a América, só que foram enganados e acabaram na América errada, a do Sul. Eram russos e judeus e pobres, mas fingiam que eram outra coisa. Só não esqueceram, mesmo fingindo tanto a ponto de não saberem do que fugiam, que eram sobreviventes e sobreviveram. E são esses os genes que me ordenam a não temer as mudanças acima de todas as coisas e acho que eles acabaram na América Certa, afinal.

E foi assim que a história começou...


...

(DIGA A ISRAEL QUE MARCHE!)


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