quinta-feira, março 25, 2004

Outono, 2004.

O outono começou com dias memoráveis.
Manhãs cinzentas, um Sol complacente e tardes belíssimas. Tenho gostado tanto a ponto de eleger o Outono minha estação favorita, sem o vazio do inverno e o desespero do verão.
Mas por incrível que pareça são esses os dias mais difíceis, a natureza tão mansa e terna a ponto de sufocar-me de tanto amor por tudo. É um querer tão profundo que meu coração não tolera, uma ansiedade e uma expectativa extremadas por coisas que nunca acontecem, que nuca mudam.
Sei que sou covarde e sei que sou fraco, além de qualquer problema com minha alto-estima e sem as afetações habituais de minha alto-comiseração. Faço aqui um exercício de libertação, de coisas que devem ser expostas para que algo novo possa surgir, afim de que algo mais puro possa prevalecer aos círculos viciosos de meus erros.
Vocês, meus amigos, que me atirem pedras quando virem meus olhos cansados, que me cuspam na face quando sentirem meus ombros arqueados e façam de minhas pequenas tragédias sua diversão e entretenimento.
Sem voyeurismo, sem tara, façam por piedade desse seu comparsa. O façam para que eu possa usá-los também, aqui neste Mundo Fantasma onde todos somos pouco mais que sombras.
Eu quero ver tudo.
Eu quero trepar com todo mundo do planeta.
Eu quero fazer algo que importe.
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domingo, março 21, 2004

O suor de Eder Jofre.

Meu pai queria ser um lutador de boxe.
Ele era um moleque alto e franzino, tinha um gênio imprestável e criava um galo de briga, inspirado por meu avô, um homem merecedor de um romance em três partes que será escrito um dia, mas voltemos ao meu pai.
Ele era fraco e abusado, mas teimoso como uma mula e talvez tão esperto como uma.
Tinha um par de luvas profissionais enormes e velhas que eram seu orgulho. Eram antigas e usadas e tinham um cheiro acre de suor, de muitos suores passados, e na verdade ele não conhecia a origem certa daquelas luvas, diziam que seu pai a recebera como pagamento de um mau jogador e que fora usada pelo próprio Eder Jofre, ou pelo menos foi isso que alegou aquele homem desesperado e sem dinheiro.
Treinava sozinho, apenas com a ajuda de seu irmão adotivo, Zé Bequita, um negro de pés chatos que era seu irmão e filho de seus pais, mas que no fundo era tratado como uma espécie de servo, babá do meu pai e “faz-tudo” particular.
Era uma rotina solitária e cansativa, por mais que ele socasse e pulasse cordas, alguma coisa o mantinha magro e com um fôlego curto demais para agüentar onze assaltos contra o campeão dos médios-ligeiros, e só lhe faltavam cerca de vinte quilos, em músculos, para poder entrar no ringue e se tornar famoso, comprar um lindo Cadillac conversível e se casar com Ingrid Bergman, ou com Carole Lombard ou com qualquer atriz de cinema desde que fosse loira e linda, e eram tantas pregadas nas paredes de seu quarto...
A melhor parte de tudo isso era olhar para aqueles outros moleques, e saber que não eram páreo para ele, quase um profissional, saber que diferente deles não seria mais um funcionário empoeirado da metalúrgica, e como era bom esmurrar aquelas caras magrelas e espinhentas que riam dele, que o humilhavam e o faziam se sentir mal consigo e com vergonha de seus pais, sempre devendo alguém, falando alto e gritando palavrões.
Eles riam e debochavam até que um cruzado ou um direto fazia sangrar seus narizes melequentos e seus olhos lacrimejarem, mas após o triunfo inicial perdia suas forças e seu ímpeto enfraquecia, fazendo com que ficasse apático a vitória ou a derrota que vinha em seguida, restando-lhe correr e fugir com rapidez e sem nunca olhar para trás.
Restava-lhe seu quarto, empoeirado demais para um menino asmático, suas atrizes e seu choro solitário, restava-lhe sonhar com aquele lindo Cadillac que fora levado de seu pai sem nunca ter saído da garagem, restava-lhe a fé naquela santa com o rosto negro de tanto beija-la, e que ela fizesse seu coração bater devagar novamente, suas pernas pararem de tremer e que o ar entrasse em seu corpo calma e lentamente de novo.
Guardo hoje, uma linda foto do meu velho com aquelas luvas encardidas, e por entre sua guarda alta, além de suas costelas à mostra, pode-se ver, se olhar com muito cuidado, todos os sonhos de um menino que lutava contra a fome, a asma e um destino duro demais para alguém tão frágil.
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sexta-feira, março 19, 2004

Cinco coisas que nunca fiz:

1. Nunca atirei em ninguém.
2. Não namorei uma prostituta.
3. Não vomito por mais bêbado que eu fique.
4. Nunca tomei facada na barriga.
5. Nunca fui pego me masturbando no trabalho.
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segunda-feira, março 15, 2004

Três homens com amor no coração.

Sempre tive uma atração por pessoas controversas, por perdedores e malditos. Assim escolho meus amigos, minhas namoradas e meus “ídolos”. Gosto de pessoas com cicatrizes, tatuagens, gosto de mulheres com olheiras e alguns dos meus amigos já estiveram na prisão.
Indo por aí comecei a ler Charles Bukowski. Sim, eu sei que demorei para descobri-lo, mas o importante é que estou lendo o cara, ou pelo menos os livros dele.
E logo no começo, em suas loucas biografias disfarçadas de romances, eu percebi que assim como na maioria das pessoas, esse rótulo de “maldito” esconde uma pessoa muito doce e gente boa. Bukowski é um romântico! Bêbado, bagaceiro e maltrapilho, mas um romântico incurável e obsessivo. E talvez mais romântico por ser tão despreparado para viver nesse mundo miserável onde as pessoas são julgadas pelo que eles compram e não pelo que elas são.
Automaticamente, quando se fala de amor o obsessão, me lembro de Nelson Rodrigues, que até hoje é negligenciado por ter esse rótulo de tarado. Nelson foi o homem que mais amou no Rio de Janeiro, foi o homem que mais amou na literatura brasileira, sem medo da emoção.
Nelson é obrigatório, é essencial e vital para qualquer pessoa que se interesse o mínimo pelo ser humano, sem pretensões filosóficas e antropológicas em sua literatura você reconhece tudo de bom e de perverso que o homem pode ser. É a nossa vida ali, escancarada.
E eu fico aqui, escrevendo entre esses caras, Bukowski, Nelson Rodrigues, John Fante...eu também com as minhas obsessões, eu também com meu amor...tentando fazer de viver um ofício mais digno, mais divertido, menos bundão.
E acreditem que nesta semana um cara estava dizendo de como ele me acha calmo e controlado, mas na verdade acho que ele estava me chamando de bunda-mole.
Logo eu que me acho tão cool...
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sexta-feira, março 12, 2004

Preto, verde e vermelho.

Estava ficando difícil dirigir daquele jeito.
O sangue coagulado em minhas mãos era viscoso e parecia cola, grudando no volante e fedendo, fedendo muito, com um cheiro acre e parecido com alguma coisa de chumbo. Tinha náuseas violentas e meus olhos ardiam, queimados pela pólvora.
A mulher ao meu lado estava pálida e imóvel, e parecia morta não fosse pela respiração ofegante e pelas lágrimas que corriam incessantes de seus olhos verdes, limpando o sangue seco em seu rosto.
Não era pra ser assim, tudo devia estar bem agora, com uma bela menina do meu lado, um dinheirinho no meu bolso e aquele velho fora do nosso pé. Mas ele tinha que ser machão, manter aquela pose de lutador de boxe aposentado que nunca lutou bosta nenhuma.
Além de velho (como eu odeio os velhos!), tarado (como eu odeio pervertidos!) e burro (como eu odeio gente burra!), metido a valente...Agora está morto e uma coisa que não me incomoda é gente morta. Mesmo quando emporcalham a mim e ao meu carro de sangue. Foda é o cheiro.
Mas eu mandei ele parar. Avisei que não tinha saco pra ficar de briga com um cafetão de merda como ele. Era só liberá-la, dar o dinheiro que ela tinha direito e sair da frente, mas não, ele tinha que ficar em cima dela, batendo na menina e me apontando aquele 38 enferrujado e a coisa que eu mais odeio no mundo é gente escrota me apontando arma.
Acho que ele nunca tinha visto uma Desert Eagle antes, senão tinha ficado quieto. Até ele engatilhar aquela velharia e me apontar já tinha cérebro em cima de todo mundo, foi a coisa mais feia, aquele buxo velho sangrando em cima da minha menina, foi nojento coitada.
Só me preocupa a longevidade de relacionamentos que começam dessa maneira. E ela continua linda...Cabelos pretos, olhos verde e vermelho carmesim, muito carmesim.
Ela vai ficar melhor, eu sei, assim que passar o susto e lavar os pedaços de miolos do seu cabelo...
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terça-feira, março 09, 2004

A verdade sempre, sempre a verdade.

O dia mais difícil foi quando ela disse que não me amava mais.
Era uma manhã já cheia de tristeza e aborrecimentos mesquinhos, acho que fazia calor mas sei que o céu estava azul, limpo. E ela chorava no sofá da sala, chorava como se eu a estivesse deixando, com dor em sua voz.
E ela não apenas disse como gritou as palavras: “Eu não te amo mais!”.
Repetidas vezes, e cada vez mais alto, até calar-se e chorar novamente, cobrindo o rosto com as mãos em concha, suplicando para que eu fosse embora.
Eu fiquei ali, me sentindo como um menino que tinha feito algo muito ruim. Perplexo, assustado e furioso. Minha irmã estava lá, e pude ouvir seu choro abafado do lado de fora da casa, e tenho por ela uma gratidão eterna por ter chorado lágrimas que eu não chorei, por ter suspirado e gemido por um amor perdido; ela sofreu no meu lugar, minha irmãzinha.
Fiquei calado, vendo aquilo tudo como em um filme que não queremos esquecer, captando os detalhes enquanto sentia o vazio crescendo dentro de mim, abrindo espaço para suportar uma dor maior que a vida, maior do que eu.
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terça-feira, março 02, 2004

Um pecado de cada vez.

Ela continuava lá, deitada, um cigarro na mão esquerda e os olhos fixos em mim.
Aquilo era como o inferno, os olhos castanhos calmos e profundos, esperando alguma coisa, qualquer coisa de mim. Para ela, só para ela.
E eu sabia o que veria depois, alguns resmungos, apagaria o cigarro e ficaria triste, como sempre, esperando algo que fosse só para ela, alguma coisa que residia fundo em mim, morta, esquecida.
Raquel me disse a coisa mais triste que já ouvira de mulher, e aquilo me fez chorar quando ela não estava. “Toda vez que transamos fico apaixonada por você, e depois te perco...”.
Eu nunca me apaixonei por ela. E pra falar a verdade, gostava mais de sentir falta dela, o vazio dela em minha casa me era mais caro, mais verdadeiro.
E ela sempre falou demais, pecado menor eu sei, mas sempre confusa e querendo mais, mais e melhores blues.
Tédio, perdas, redundância, neuroses, redundância, perdas, tédio.
Assim sem destino, sem lugar e sem apego.
A Raquel se encheu de mim, e foi fazer veterinária.
Menina esperta.
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