terça-feira, fevereiro 24, 2004

Rosa-de-luto, um final.

Ela já estava dirigindo há seis ou sete dias, não tinha mais certeza; não sabia sequer o Estado em que estava, mas isso não era problema, saberia quando chegasse na fronteira e aí tudo estaria terminado, assim esperava.
Acordara sozinha naquela manhã,há seis ou sete dias, e a casa estava quieta, quieta demais e isso lhe deu uma sensação ruim, um aperto na barriga, e tudo fez sentido quando viu o bilhete sobre a mesa da cozinha. Ele havia morrido, aquele idiota, aquele velho maluco...chorou e quebrou algumas coisas na cozinha e chorou novamente enquanto recolhia os cacos.
Ela tinha que ir embora, estava escrito no bilhete, devia ir pra Argentina e ficar lá. Havia dinheiro e até uma casa pra ela lá, algo que só ele conhecia, seria seguro e ela talvez fosse feliz lá. Ele era um idiota, talvez a bebida tivesse matado neurônios demais naquela cabeça dura e grisalha.
Em Andirá, uma cidadezinha no Paraná, ela viu a notícia na televisão, uma tragédia eles diziam. Um assassino de aluguel havia invadido a mansão de um juiz federal (minúsculas propositais) e após uma troca de tiros feroz havia matado, além do juiz, dezessete agentes federais, dezessete! Tudo não durou mais que vinte minutos, e o homem ferido, pelo que tudo indicava, se sentou e sangrou até morrer. Quando a polícia chegou, o cigarro em sua mão ainda estava aceso. Parecia uma cena de “Matrix”, um delegado falou, a porra de uma cena de filme.
Ninguém mencionou o porque de tantos agentes naquele local, nem as drogas e muito menos os dólares que agora deviam estar seguros nas mãos de outros canalhas como seu pai. Ela torcia pra que ele tivesse sofrido ao menos um pouco, mas sabia que dois tiros na cabeça não dão muito tempo pra pessoa se arrepender das merdas que fez com a vida da mulher e da filha.
Ela iria sobreviver, era jovem, tinha certeza que sim. E tudo de bom que acontecesse em sua vida seria uma homenagem praquele cara estranho que estivera com ela por dois meses, calado demais, sério demais, mas que gostava dela, apesar de dar uns tapas em sua boca que doeram pra valer.
Mais uma noite chegava naquela estrada reta e entediante e naquele lusco-fusco sua tatuagem doía um pouco, como se fosse recente ardia em suas costas.
Nada demais, era apenas saudade.
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sexta-feira, fevereiro 13, 2004

Cinco pessoas com as quais eu poderia sentar, beber e conversar por horas:

1. Neil Gaiman.
2. Clarah Averbuck.
3. Marcelo Camelo.
4. Nelson Rodrigues.
5. A vizinha da minha irmã em Niterói, que é tudo de bom.
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quinta-feira, fevereiro 12, 2004

Uma noite muito longa.

Fui acordado hoje pela chuva, pelo vento e por uma voz feminina. Uma voz fraca e longínqua, um grito pelo meu nome, quase que um choro, disfarçado como o vento, escondido pela chuva, me chamando do passado.
É como se fosse um pedido de socorro ou alguma coisa que exige vingança, que demanda sangue derramado, gota por gota, lágrima por lágrima.
Não posso mais fugir.
Fico sentado na cama, acendo um cigarro fedorento, algo entre canela e chocolate, e fico vendo as gotas de chuva escorrendo pela janela, sentindo a fera dentro de mim, sempre a espreita, crescendo e ficando mais forte. Não há álcool suficiente neste mundo capaz de calar essa coisa que insiste em viver em mim, despertada por nuvens cinzas, pela chuva fria e pelas lembranças de um passado nada glamouroso.
A vida segue em seu passo fatalista, os erros levando a culpa e esta ao castigo, uma roda terrível e tediosa, tornando as horas longas e repetitivas, tornando tudo que é azul em um cinza indiferente, sarcástico.
Não é mais possível fugir.
Ela ainda dorme ao meu lado, sua pequena borboleta continua ali, congelada em pleno vôo. Está habituada ao meu tédio e aos meus cigarros vagabundos, afeita aos meus silêncios e minha melancolia, mas alheia de minhas responsabilidades, de meus débitos.
Olho para ela e suspiro profundamente, soprando a fumaça para o teto, em espiral.
Amanhã a esta hora já estarei morto, livre ou condenado não sei, mas vou sentir falta desta menina, isso eu sei.
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sexta-feira, fevereiro 06, 2004

Deuses Americanos e um Inglês.

Hoje acabei de ler Deuses Americanos, de Neil Gaiman, e acho que estou chovendo no molhado, mas o cara é simplesmente o maior. Ele tem uma forma de escrever que faz com que você, além de não conseguir parar de ler, fique apaixonado por ele, não só pelos personagens, mas pelo próprio Gaiman. Sem viadagem...!
È como o Vinícius de Moraes, é impossível ler o cara sem o admirar muito, é uma coisa que vai além do que está escrito. Você fica com vontade de encontrar o cara e dar um abraço nele, agradecer e sentar pra beber e bater papo. È uma empatia irresistível.
Após terminar minha leitura (na verdade fiz meu serviço correndo e meio nas coxas pra me sobrar mais tempo), estava voltando pra casa ouvindo The Strokes (fodidamente bons, tão fodidamente bons...) e experimentei um verdadeiro momento de felicidade, a tarde cinzenta, a velocidade e boa música, e aquela sensação única de quando você acaba de ler um livro muito bom, muito bom mesmo.
Tudo fez sentido por alguns minutos, tudo estava em seu lugar do jeito mesmo que está, sem nada a perdoar, sem nada pra se arrepender, com o livre arbítrio sendo nada mais que uma ferramenta pra se cumprir o destino, e sem final feliz porque simplesmente não existe final pra porra nenhuma.
Muito obrigado senhor Gaiman, valeu mesmo...
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quarta-feira, fevereiro 04, 2004

As cinco coisas mais estranhas que já escutei de mulheres:

1. Te amo.
2. É para o seu próprio bem.
3. Meu cu está em chamas.
4. Quero casar com você.
5. Me dá porrada pelo amor de deus.
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segunda-feira, fevereiro 02, 2004

Amor de muito.

Ele a beijou com vontade e um pouco de raiva, e pode sentir o gosto salgado do sangue em sua boca, antes que ela afastasse a cabeça o olhando com raiva.
Você, pra mim, não passa de um animal! Disse Renata limpando sua boca e dando uma cusparada no chão; Um animal!
Ele sinceramente não se sentiu ofendido, e dando um meio sorriso quase agradeceu, mas preferiu não provocar demais a fera, que fumava seus cigarros fedorentos enquanto o olhava com rancor.
Ela não sabia, melhor, não tinha a menor idéia de como ele a amava; quando estava quieta fumando sempre ficava por perto, observando a maneira com que ela inalava a fumaça com os olhos fechados, com o cigarro no canto da boca e a soltava lentamente, quase que um ritual, pelo menos para ele. E nunca cansava de admirar sua tatuagem, uma borboleta "rosa-de-luto" preta e lilás em suas costas magras, a coisa mais linda que ele já havia visto no corpo de uma mulher.
E ela o achava rude e seco, assim sem metafísica nenhuma, talvez pela forma com que ele aprendeu a esconder seus sentimentos e pensamentos de todos ao seu redor. Nunca deixe que outros saibam o que você está pensando, dizia seu pai sempre furioso, pronto para lhe dar outra surra. Aquela violência era outra cicatriz de um passado sem muito glamour, onde as mulheres sempre eram tratadas assim, com doçura e violência, e ele, um moleque desaforado e fracote era tratado sem doçura, só a violência fazia parte de sua rotina, assim sem metafísica nenhuma.
Mas ele não era mais moleque e nem fracote, se tornara um homem simples, rude e calado, mas capaz de enfrentar outro inferno por aquela menina magra, fumante inveterada(dos cigarros mais fedidos do mundo)e com uma borboleta triste em suas costas.
Se lembrava sempre do dia em que a encontrou na praia e ela disse que sua borboleta era uma "rosa-de-luto", esse nome, aqueles olhos castanhos doces, e o jeito de moleca sem compromisso fizeram com que ele se perdesse completamente, o levando até aquela situação de fuga e insegurança.
E ela nunca soube, nunca chegou a vislumbrar aquele amor maior que a vida que sempre esteve ali ao seu alcance.
Um amor de homem.
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