- Você está com aquele cheiro de novo.
- Estou?
- Hum-rum... principalmente na nuca... disse ele preguiçosamente enquanto cheirava seus cabelos. Cheiro de mar.
- Maluquice sua, essa coisa de ficar sentindo cheiros, parece um perdigueiro me farejando. E ela deu um pequeno sorriso, carinhoso, tentando disfarçar sua melancolia.
Ela levantou-se lentamente, após arrumar seus cabelos pretos, e nua, foi até o guarda-roupa de onde tirou uma garrafa empoeirada de vinho do porto.
- Quer um pouco? Perguntou ainda de costas.
- Que bunda maravilhosa...o quê?!
- Vinho. Quer um pouco?
- Não, vou ficar só vendo você beber.
Ela se serviu em uma pequena taça de cristal, com uma caravela desenhada, o logotipo de alguma vinícola portuguesa, e foi até a janela por onde entrava uma leve brisa noturna, um pouco fria mas confortável.
Ela sabia que ele a observava da cama naquela luz amarelada, que emprestava um tom meio antigo às coisas, e não conseguia conter em seu peito aquela sensação de desespero.
Um desespero pela vida, pelo mundo e por tudo o que podia estar realizando, se não fosse a própria vida a lhe atrapalhar com suas obrigações, suas escolhas forçadas e papéis e máscaras e dominós que não faziam o menor sentido, eram idiotas e lhe irritavam.
E ficava calada, com seu coração pulando e berrando no peito e ficava calma, com sua vontade de viver tudo, de ser tudo o que ela era, e ela era muito, de verdade.
E a melancolia a arrastava até o consolo de uma pequena taça rubra de vinho do porto no meio de uma noite fresca.
- Quando sinto esse cheiro de mar em você e te vejo assim longe, pensando com essa taça na mão, sinto uma saudade tão grande que me dá vontade de gritar. Penso numa costa nevoenta, fria e com uma montanha lá no meio do mar, sozinha e gigante e quase invisível, igual a você.
- ...
- ...
Sem se virar, uma lágrima cai no vinho e sua superfície se ondula levemente, como as ondas na baía de Cancale.