Às vezes ainda me surpreendo concatenando sobre a natureza da minha vida, e sobre minhas escolhas. Não sobre a vida em si, mas sobre sua “natureza”, seu modo, suas nuances.
E como disse Fernando Pessoa, isso pode ser apenas o resultado de uma indisposição digestiva, ou tédio, ou inquietação psicanalítica, ou qualquer outra coisa.
Mas me pego discutindo acaloradamente sobre as certezas e sobre as incertezas da minha cabeça e acabo defendendo as últimas! Quase aos berros digo que não sei, e tento convencer o outro do que desconheço, e do meu direito de desconhecê-lo com toda a legitimidade de minha vida adulta e de minha calvície galopante. E isso me soa estranho, quase surreal alguns minutos depois.
Pois as pessoas discutem, divergem, tentando mostrar ou mesmo impor uma opinião, um conhecimento e não o contrário, isso é motivo de algumas guerras, confrontos terríveis.
E eu continuo com essa mania incorrigível de ir contra a maré da racionalidade e dos costumes, enquanto tento melhorar e viver uma vida produtiva e criativa.
Resguardo-me o direito último de não saber tudo de antemão, de não adivinhar o caminhar das coisas, de não ter um parecer prévio e maduro e ponderado sobre seja lá o que for. Eu chego até a sentir certo orgulho de algumas ignorâncias e escolhidos preconceitos que acalento entre minhas rugas.
Mas não me tomem por um imparcial, nem por razoável, pois esses são atributos horrendos de pessoas apáticas e hipócritas. Defendo o capitalismo, a guerra de Israel e o evolucionismo, mesmo sem conhecer todas as facetas e detalhes dos oprimidos e minorias choronas e reivindicantes.
O que eu ainda me reservo é o direito de me surpreender, de me chocar com algo novo, inesperado dentro do cotidiano. O prazer de nunca ter nada decorado, de esquecer o fim do filme ou descobrir alguma passagem fantástica e perdida dentro de um poema lido mil vezes. A Tabacaria é assim, e algumas paisagens também!
De ver uma pintinha, ou uma dobra na pele, uma mexa de cabelos que eu nunca tinha visto antes e ficar sem ar.
E numa noite longa ficar absolutamente de queixo caído pela beleza e o absurdo de um caminhão de lixo cruzando rua, cheio de luzes e pessoas penduradas e sorridentes, sim! Sorridentes, as pessoas e as luzes.
E por isso mesmo, pode ser que eu ainda aprenda muita coisa, ou me esqueça delas, que me divirta e ria, ou chore e me entristeça com velhas decepções.
Pode ser muita coisa, tantas que nem sei.
Nem sei.