A revolução havia chegado. Finalmente.
Depois de meses de preparação, planejamento e cálculos precisos, o dia finalmente havia chegado.
Ibrahim dormira mal na véspera, seu estômago doía, sua boca tinha um gosto amargo, mas estava feliz. Ansioso e feliz.
Viajara de trem, como muitos dos outros, por longos dias evitando os meios e caminhos comuns, pois tudo estaria sendo muito vigiado naquele encontro internacional de inimigos do planeta, naquela reunião de carniceiros e parasitas, disfarçados de líderes e autoridades.
Fodam-se as autoridades!
O chamado fora feito e algumas centenas de almas corajosas haviam respondido de todos os cantos do país, entenderam o caráter sacrificial da missão, mas a verdade estava com eles e todos seriam libertados por ela, nem que fosse a força. E o mundo todo seria testemunha de sua loucura e de sua coragem.
“Eles podem rir agora, mas um dia nós estaremos no comando”.
Talvez não fossem compreendidos, talvez fossem odiados, ridicularizados, talvez fossem presos e até mortos. Mas se tudo funcionasse, se tudo corresse bem e a reação em cadeia começasse, talvez eles mudassem tudo, quer dizer, não tudo, mas um bom pedaço pelo menos. Talvez.
O material que eles carregavam deveria estar bem guardado, disfarçado e protegido. E eles o carregariam com todo o cuidado, pois ao menor descuido tudo poderia ser perdido e os meses de preparo tornados inúteis.
O kit de Ibrahim estava bem acondicionado, em duas bolsas térmicas, isoladas, disfarçadas de próteses dentárias, coisa muito chata pra chamar atenção e nada mais entediante que conversa de dentista.
Mas o dia havia chegado e ele agora caminhava entre a multidão de repórteres e manifestantes de todos os tipos, e seus parceiros, centenas, estavam lá misturados entre todos.
E o inimigo também estava lá, uniformes pretos, capacetes polidos, escudos de plástico, cacetetes e armas de choque e todos esses modernos instrumentos de submissão, violência e humilhação.
Mas eles seriam surpreendidos. Ah seriam, até o fundo de seus corações amedrontados.
Todos sabiam que algo estava prestes a acontecer quando o inimigo foi provocado, uma coisa boba, infantil e todo o seu poder repressivo explodiu em ódio, como esperado.
Palavras de ordem, gritos de guerra, batidas nos escudos e uma enorme muralha de homens obedientes se alinhou de forma ameaçadora, e começou sua marcha.
As mãos de Ibrahim tremiam e seus olhos estavam arregalados e secos, cobriu o rosto como um bandido de faroeste, para esconder seu medo e viu muitos fazendo o mesmo, centenas. Preparou seu kit e esperou o momento certo. Eles haviam treinado muito, virtualmente, e sabiam cada passo do inimigo, sempre repetitivo e previsível.
No momento exato, deu um grito:
- D’US É GRANDE!
E atirou e junto com ele, centenas também arremessaram seus aparatos que atingiram seus oponentes em cheio.
Centenas de ramalhetes, buquês, arranjos, ikebanas diáfanos voavam pelo ar.
Rosas, margaridas, hortênsias, crisântemos preciosos, tulipas delicadas, enormes girassóis e pequenas glicíneas voavam silenciosamente sobre a multidão eufórica e atingiam os soldados do sistema, incrédulos.
Ibrahim gritava enlouquecido, rindo muito e jogava suas flores com toda sua força, com todo seu amor e era lindo demais.
Até que os lados opostos se chocaram e se tornaram um emaranhado furioso sobre o chão de flores, sob o céu de flores.
Capacetes voavam, máscaras eram abruptamente arrancadas e cacetetes eram arremessados longe juntamente com máscaras e gorros, naquela confusão de abraços sufocantes, gargalhadas de fragmentação e beijos de repetição.
Ibrahim agora chorava, pois D’us era grande e seu amor infinito, e talvez pela primeira vez em séculos todos os seres humanos reunidos naquele dia inesquecível eram humanos de verdade.
Livres.
Justos.
Verdadeiros.
E eram milhares, e era só o começo.